quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Jogo da Morte, o primerio filme de Matinhos

A história é a seguinte: três rapazes que produzem vídeos e fotos para casamentos, transformaram o litoral paranaense em “Hollywood”. Bolaram um roteiro de terror, selecionaram os amigos mais talentosos para ser os atores e com 5 mil reais, tirados do próprio bolso, realizaram um longa-metragem. Conheça os bastidores dessa exótica produção!



E como diz o poeta: “O mundo é construído pelos que fazem e, não pelos que sabem fazer”.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Tatuagens, penas e tradição

A dança do Bate Pau como mecanismo de resgate cultural para os índios Terena em Campo Grande


Os sons do tambor e da flauta misturam-se ao chocalho das sementes; os corpos estão pintados e os passos são bem marcados. O cenário da apresentação é uma praça no centro da cidade, mas ela parece não combinar com seus atores principais. As penas e as roupas feitas de buriti refletem a realidade de um grupo de pessoas que não se encaixaria no que se define como o modo de vida urbano.

A cena é a de uma apresentação da dança do Bate Pau, típica dos índios Terena, que aconteceu no Parque Belmar Fidalgo, no centro de Campo Grande. Em meio prédios e a fumaça de automóveis, roupas feitas com penas caracterizam a população que mora na aldeia Água Bonita, a segunda aldeia urbana da capital de Mato Grosso do Sul.

Ela surgiu há seis anos e reúne índios Terena e Guarani-kaiowá vindos de várias aldeias do interior do Estado. Algumas casas são de alvenaria e pintadas com desenhos indígenas, enquanto outras revelam a pobreza de uma população que trocou seu lugar de origem por um conjunto de lonas que formam suas moradias. Nas ruas sem asfalto, levanta a poeira do seco mês de agosto.

As crianças brincam à vontade, as pessoas conversam em frente às suas casas e a música sertaneja se mistura aos hinos da igreja evangélica. Não há portões e todos se conhecem, como se fosse uma cidade dentro de outra cidade. A língua portuguesa convive naturalmente com palavras e expressões das duas etnias.

Lúcia Mara de Oliveira mora em uma casa pequena, têm quatro filhos e está grávida de cinco meses. Há um ano saiu da aldeia Bananal em Aquidauana, localizada no oeste de Mato Grosso do Sul, para tentar uma vida melhor na capital.

O sofá velho sustentado por um tijolo em cada pé, do lado de fora da casa, feita com pedaços de madeira e forrada com uma grande lona preta, representa para a família dessa mulher a vida que não tinham na aldeia onde moravam.

De dentro da casa, que parece ser improvisada, sai um adolescente de 13 anos, o filho mais velho de Lúcia. Marlon de Oliveira faz parte de um grupo de homens que apresentam a dança do Bate Pau para aproximar a cultura Terena dos índios e não-índios que vivem em Campo Grande.

Ele traz uma sacola de supermercado com os trajes da dança.

- Foi o pai dele quem fez. – explica a mãe de Marlon.

Tímido, o garoto tira da sacola a saia e o cocar feitos de pena de Ema e se veste. O corpo ainda em desenvolvimento revela um pouco da rebeldia característica da adolescência; ele tem tatuagens pelo corpo feitas por ele mesmo.

- Eu peguei uma máquina emprestada com um amigo e fiz.

- E você fez por quê?

- Porque acho bonito.

As marcas mostram a precariedade da arte: o desenho é mal feito, os contornos imprecisos e o conjunto levemente assimétrico. Em cada dedo uma letra da palavra Jesus, na mão direita, um outro desenho quase apagado, e no bíceps esquerdo ele tatuou uma cruz. A família freqüenta a igreja evangélica construída dentro da aldeia.

Vestido com as roupas terena, Marlon fica envergonhado, olha para baixo e ri com embaraço. Ser adolescente numa aldeia não deve mesmo ser tão fácil: a tradição indígena às vezes parece se opor à cultura urbana. Mas cultura é dinâmica e esse menino mostra que é possível ser índio dentro da cidade.

Direito à diferença

A etnia terena é descendente da nação Guaná, povo que habitava a região do Chaco, uma área de transição entre a zona subandina e as planícies andina e amazônica. Por causa da Guerra do Paraguai, eles tiveram que sair em busca de refúgio, o que fez com que uma parte fosse para a Serra de Maracaju, na região oeste de Mato Grosso do Sul.

Com o tempo, passaram a se relacionar com outras populações e se integrar ao outro modo de vida. A partir da introdução da pecuária no estado, começaram a ser explorados para trabalhar nas fazendas durante o período do Império no Brasil. Dessa forma, deu início a integração entre os terena e as populações locais.

Hoje, eles somam 32.519 pessoas em Mato Grosso do Sul, de acordo com dados da Fundação Nacional do Índio, colocando o estado como o segundo em população indígena do país. Um grande número deles mora nas regiões urbanas e vivem o desafio cotidiano de serem índios na cidade.

A antropóloga Luciana Scanoni explica que “a dança do Bate Pau é um momento de celebração e de reconhecimento da sua cultura” e portanto, mostra-se como “uma ferramenta política de integração entre os próprios índios, mas também com o resto da população da cidade”. Ela acrescenta que “a dança está muito relacionada ao contexto político de luta pelo orgulho de ser índio e pelo direito à diferença”. A antropóloga define ainda cultura como “algo mutável” e que “o fato do índio morar na cidade não lhe tira a característica de seus antepassados”.

A dança é um mecanismo de ressignificação da cultura para os índios terena. Eles mantêm características tradicionais, adaptando-as à realidade local. Por isso é comum, por exemplo, encontrar pinturas e roupas diferentes para a mesma dança em aldeias dentro de Mato Grosso do Sul.

Na aldeia urbana Água Bonita há um intercâmbio com a aldeia Bananal, em Aquidauana. Periodicamente, índios aldeados vêm à cidade para ensinar a dança aos mais novos. O cacique Adierson Venâncio Mota diz que isso acontece para “resgatar a cultura terena nos jovens índios urbanos”.

- Na aldeia é mais fácil manter a cultura e aqui na cidade é mais difícil. Os jovens só querem saber de coisas modernas, roupas modernas, então eu ficaria muito decepcionada se meus filhos não seguirem a tradição - confessa Lúcia Mara.

E a mãe de Marlon explica sorrindo que foi o pai que ensinou o menino a dançar quando tinha apenas oito anos:

- Desde pequeno, o pai dele ensinou a ser índio de verdade!

Lucia mostra fotos e fala do empenho do filho durante um concurso de dança indígena na aldeia onde moravam. As roupas são feitas com esmero, as penas de Ema são presas uma a uma, mostrando o porquê a dança também recebe o nome desta ave.

Antes de apresentações todos se unem na oca, uma construção central da aldeia Água Bonita. Jovens e adultos compartilham a responsabilidade de representar sua etnia através dos passos marcados da dança.

Os primeiros passos são lentos, lembrando os passos do Jaburu, uma ave aquática da fauna pantaneira. Os homens formam duas fileiras e são guiados pelo chefe que fica na ponta. Em seguida, imitam os passos da Ema e retornam ao início. Guiados por palavras em Aruak – idioma terena - eles simulam uma guerra, arremessando os bambus uns contra os outros. No final da dança, uma homoneagem: os paus são cruzados em baixo para que o cacique seja suspenso.

Nesse momento as peles morenas, as tintas pelo corpo e as saias ganham ainda mais significado para aqueles homens. Seus olhos e sua força indicam a intensidade daquela dança e as pessoas em volta se emocionam. O homem sobre os bambus diz frases fortes na língua Terena, e os demais respondem no mesmo tom. O momento é de convergência. Toda atenção está voltada para a beleza de uma cultura esquecida em meio aos prédios e construções de concreto.

Dança da Ema

Não há consenso sobre a origem da dança do Bate Pau. Para Adierson, cacique da aldeia água Bonita, a dança lembra a vitória da etnia terena na Guerra do Paraguai. A partir desse ponto de vista, seus passos marcam desde a preparação para a guerra até a festividade da vitória.

Porém, para o fundador do primeiro grupo dessa dança em Campo Grande, Eliseu Lili, ela surgiu a partir de “um sonho de um pajé em que estava numa mata, assistiu essa dança e a trouxe para a aldeia”. Para o indígena que veio para a cidade há mais de vinte anos e que não mora em nenhuma das três aldeias, “é um absurdo falar que a dança surgiu depois da Guerra do Paraguai. Ela é um costume do povo e é tão antiga quanto ele”.

Lili é o fundador do grupo Tê, grupo que reúne índios Terena que moram em Campo Grande para apresentações de dança da Ema:

- E por que não “dança do Bate Pau”?

- Por que quem denominou como dança do Bate Pau foram os brancos, já que é a coisa mais marcante durante as apresentações. Mas para nós indígenas a dança recebe o nome de dança da Ema por causa das saias feitas das penas dessa ave e de alguns passos que simulam a movimentação dela – explica Eliseu Lili, enquanto faz uma pintura terena numa bolsa de tecido.

Esse homem alto, pele morena e cabelos pretos e muito lisos mora com sua esposa num bairro de Campo Grande. Seus três filhos são a expressão da miscigenação entre o índio e o branco: têm pele mais clara que a do pai, mas seus cabelos são levemente ondulados, como os da mãe.

Eliseu diz que “seu povo perdeu muita identidade, então é preciso resgatá-la através da dança”. Entre uma xícara e outra de café, conta porque montou o grupo Tê.

- Quando eu cheguei aqui em Campo Grande, na década de 80, os jovens tinham muita dificuldade de entrosamento, existia muita discriminação por “ser bugre”. Eu pensei assim: Como a gente poderia mostrar o lado bonito do Terena? Como podemos mostrar que temos uma cultura rica? E quebrar essa coisa de preconceito. Com a dança eles puderam superar e mostrar uma coisa bonita, mas também deflagrar um movimento para a nossa liberdade, nossa autonomia aqui na cidade

Através da mesma dança, os índios da aldeia urbana Água Bonita vêm lutando também pelo seu reconhecimento dentro da cidade, e Marlon de Oliveira, o jovem morador que um dia sonha em pescar ao lado do seu pai na aldeia onde moravam, representa uma geração que aproxima a tradição da modernidade.

Suas tatuagens não negam a juventude nem ferem sua vontade de ser índio. Ainda na sétima série do Ensino Médio, Marlon é um orgulho para sua família e seu povo. Suas irmãs brincam com as penas de Ema, enquanto ele as observa com atenção. Aos 13 anos, a cultura terena que ele representa não é mais a mesma, adquiriu novos significados, mas continua traduzindo a riqueza e a vitória de um povo.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Semente da Terra

Uma família indígena aprende a se acostumar com a vida urbana de Curitiba, mesmo que os moradores da capital não percebam sua presença

A manhã de quarta-feira começa ensolarada na praça Osório. São 9h46, Alcino chega apressado e deixa suas bolsas e sacolas embaixo de uma árvore. As havaianas azuis casam com a camiseta branca e bermuda amarela. Mas, o que mais chama atenção nele são as sementes ligadas por uma linha que estão em torno do pescoço e tornozelo, ou o objeto da espessura de um cigarro que está em uma de suas orelhas. A alguns passos atrás de Alcino andam Fátima, sua esposa e Dandara, a filha mais nova do casal, que acabou de fazer um ano. Elas também carregam características de uma etnia que habita há muito tempo em Curitiba – eles são índios.

Alcino de Almeida tem 51 anos, é cacique da tribo kaingang que vive na aldeia Cambuí, na Região Metropolitana de Curitiba. Hoje a aldeia é democrática. A escolha do cacique é feita por meio do voto. São separados três balaios. Um com feijão preto, outro com feijão branco e um vazio. O nome do candidato a cacique fica junto ao balaio com feijão de sua cor. Para votar, a pessoa escolhe um deles e coloca o feijão no balaio vazio. Vira cacique quem tiver mais feijões de sua cor. Na aldeia do Cambuí existem 370 índios, votam todas as pessoas com mais de 12 anos.

Enquanto Alcino explica a eleição, Fátima e Dandara vão montando a barraca. Encaixam peças de metal e abrem o guarda-sol verde. Retiram de uma das bolsas colares feitos de joerana, semente muito semelhante à de melancia. Também utilizam a chamada olho de boi, que tem o formato de um feijão gigante com cor de terra vermelha, e a semente sagrada do kaingang, que tem o mesmo formato da joerana, mas cinco vezes maior, em cor café ou caramelo. Fátima pendura calmamente um colar por vez. Ela tem 34 anos, cabelo comprido preto e brilhante, um olhar sereno e sorriso tímido. É a segunda esposa de Alcino. Juntos têm quatro filhos, Denise, de 18 anos, Daniele, 13 anos, Douglas, 10 anos e a Dandara que sempre acompanha o casal na venda do artesanato. A menina anda meio hesitante, dá passos curtos ao redor da banca com seu brinquedo, uma vara de 30 centímetros com cinco barbantes na ponta, de tamanhos diferentes. Nas pontas dos barbantes estão pendurados desenhos de peixes feitos em papel sulfite. Dandara levanta o brinquedo e vê os peixes se movimentarem com o vento.

Alcino recorda da mesma alegria quando teve seu primeiro filho, há 33 anos, quando o cenário ainda não era Curitiba. O cacique é natural de uma tribo de Biguaçu, Santa Catarina, onde seu pai vive até hoje. Veio para Curitiba em 1973 estudar Direito com a esposa Adriane, estudante de Medicina na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Eles já tinham três filhos, Alcino, Fábio e Jak Douglas, depois tiveram aqui a quarta filha, Viviane. Porém, quando estava no último ano de Medicina, Adriane descobriu que tinha leucemia e faleceu no mesmo ano que se formou. Alcino teve que parar a faculdade de Direito para sustentar as quatro crianças por meio do artesanato. Hoje, os três filhos são formados em Direito e Viviane em Psicologia. Eles foram para Santa Catarina morar com o avô. Todos estudaram em universidade pública e sem o benefício das cotas. “Eu estou terminando o curso de Direito, mas também por minha conta. Nunca usei uma caneta da Funai. Eu acho uma discriminação essas cotas”, desabafa Alcino. Em 2006, ele prestou vestibular para Administração na UFPR e passou em 9º lugar, mas não se matriculou, prefere terminar o curso de Direito.

Já são mais de 11h da manhã, as barracas foram montadas e recebem os primeiros visitantes. Quatro homens da aldeia se reúnem para conversar e mimar Dandara. A hora de almoçar está próxima e é uma preocupação a mais de Alcino. Cada índio gasta 10 a 12 reais por dia para comer, muitas vezes passam mal, pois não estão acostumados com o excesso de óleo e temperos da comida dos restaurantes. Os kaingangs costumam cozinhar com fogo à lenha, usam banha animal e menos sal. “Comemos arroz, feijão, milho. Milho de várias formas, farinha ou canjica. Todo dia tem que ter milho na comida do índio. É difícil porque na cidade a gente come e depois de uma hora está com fome de novo”, conta Alcino.
Outra dificuldade é encontrar banheiro. Às vezes, emprestam de um restaurante próximo, mas geralmente utilizam o móvel da Prefeitura, que é pago.

Passam olhando a família de índios senhoras loiras bem vestidas e andar majestoso, jovens de cabelos coloridos com mochila nas costas e celular na mão, mães cuidando para o filho não brincar com o artesanato. Eles não imaginam que há 4 mil anos quem habitava o Paraná eram apenas os kaigangs. Até mesmo o nome Curitiba é indígena, escrito originalmente Curytjbá, quer dizer terra de muitos pinhões na língua tupi.

Alcino espera que no futuro os índios tenham mais reconhecimento. “Nós estamos treinando nossos jovens, de 12 a 16 anos para serem guerreiros. Mas não para lutar contra a espada e baioneta do passado, mas contra o poder da caneta. O massacre continua desde 1500, não acabou”. Enquanto fala da luta, sua mão se fecha e bate na perna três vezes. Além de direitos garantidos na Constituição Federal, a comunidade kaigang tem 50 leis próprias. Quem desrespeita uma vírgula é punido e Alcino garante que as regras funcionam.

Um vento forte repentino passou na Praça Osório, desorganizando os brincos e colares que Fátima tinha acabado de arrumar. A filha também ajeita os brincos, ou pelo menos tenta. A tribo kaingang sabe que seu futuro está nas mãos de meninas como Dandara. Ela e as outras crianças da tribo já plantaram uma árvore. Cada um tem a sua. Quando crescer, saberão que aqueles troncos, galhos e folhas existem por sua causa. Alcino faz um pedido ao homem branco, que ele tenha mais consciência em relação à preservação. “Eu podia pedir a cada um que pudesse ensinar seus filhos, a juventude de hoje vai ser o amanhã, os grandes líderes do futuro, que eles possam preservar mais a natureza”.

Burburinho, Cochichos e tudo o mais que se quiser


Uma garrafa verde de cerveja sobre uma das mesas. Um local escuro, pequeno, com tijolos à vista nas paredes. Destas, uma azul, com ridículas estrelinhas coladas em toda a extensão. Sobre as estrelinhas um telão branco. Um projetor multimídia está estrategicamente encarrapitado à frente. Pelo espaço está a massa cool, e cult, da cidade. Considerando que se possa chamar duas centenas e meia de massa. São universitários, pequenos poetas, garotos de cabelo comprido e meninas de cabelo curto. Dentro de pouco tempo realizar-se-á a segunda Pecha Kucha Night do Brasil.

Júlia Timm, de Porto Alegre

Assista a apresentação de Camila Mazzini



André Czarnobai é um jovem porto-alegrense conhecido por toda a “massa” que aguarda. Organizador de fanzines nos idos 90’s, rendeu-se à tecnologia, e hoje, além de jornalista, administra o portal Qualquer, que abriga “egotrips, viagens, crônicas” e outras coisas de pretensão jornalístico-literária, escritas por amigos e pelo próprio. Nos primórdios da rede, a reunião chamava-se Cardoso Online, e era só um blog. Virou site, depois portal. Tão simpático quanto lendário, André assumiu a alcunha de Cardoso, e é figurinha carimbada na mitologia semi-pop-cult de Porto Alegre.

Cardoso descobriu a Pecha Kucha Night quando ficou sabendo que ocorreria uma em Buenos Aires. Foi para a rede entender o que era. Pecha Kucha, em japonês, é a palavra equivalente a burburinho, cochicho, aquele som produzido quando duas centenas e meia de pessoas conversam “discretamente” ao mesmo tempo. “A Pecha Kucha nasceu quando os designers se deram conta de que dar um microfone na mão dos designers era um perigo”, conta André. Na verdade, ele parafraseia o site oficial do evento: “give a mike to a designer (especially an architect) and you'll be trapped for hours”.

Pecha Kucha Night é uma marca registrada dos sócios Astrid Klein e Mark Dytham, donos da Klein Dytham Architecture, um escritório de arquitetura e design de Tóquio, no Japão. Eles inventaram o formato para divulgar um prédio de eventos que construíram, o SuperDeluxe, em 2003. A idéia era que profissionais e estudantes dessas duas áreas se reunissem para trocar experiências e mostrar seus portfólios e trabalhos em andamento. Mas havia o medo declarado de que cada apresentação se tornasse um monólogo de um não-talentoso orador formado em arquitetura.

A idéia, simples, foi tão exitosa que rendeu uma patente, se não lucrativa, famosa. Hoje, o evento ocorre em mais de 80 cidades ao redor do planeta. Cada apresentador tem direito a exibir vinte imagens. Cada imagem pode permanecer em exibição por vinte segundos. A fetiche da noite: o evento deve começar pontualmente às 20:20 do horário local. A última preocupação com extensão é que cada evento pode ter, no máximo 14 participantes. Eram essas as cláusulas que estavam previstas no contrato que, depois de alguns meses de negociação Cardoso conseguiu fechar com a Klein Dythan Architecture. Ele previa ainda que pelo menos quatro Pechas Kuchas deviam ser realizadas no período de um ano.

Cardoso entrou em contato com a KDA, e manifestou seu interesse em produzir uma versão brasileira do evento. Ele se surpreendeu ao saber que não haviam sido realizadas “nem em São Paulo”, pois a idéia não era novidade. Criado em 2003, o evento já estava na 41ª edição em Tóquio. Dez meses depois do começo das negociações, Porto Alegre ainda é a única cidade do Brasil a ter uma Pecha Kucha Night. Cardoso teve de enviar o currículo, provar sua ligação com o design, e garantir que não teria de lucro financeiro. A KDA também não ganha nada com a patente. Ela licencia o uso do nome e do formato por período de um ano, e o detentor dessa autorização só pode organizar o evento só em sua cidade-residência.

Assim que Cardoso obteve a licença, entrou em contato com Paulo Scott, um escritor que já organizava encontros entre artistas de linhas diferentes (atores e literatos, músicos e pintores...), para o ajudar na empreitada. Os participantes da primeira foram convidados pelos dois: cada um escolheu seis dos apresentadores (o décimo terceiro e o décimo quarto foram os próprios idealizadores). Como a patente é só do formato, o conteúdo é livre, cada apresentador pode fazer o que quiser com seus seis minutos e quarenta segundos. Já houve quem cantou, dançou, apresentou esquetes, fez performance, subiu no palco e ficou em silêncio. E até quem apresentou portfólios de arquitetura e design. Não aqui. Nenhum arquiteto se apresentou nas duas edições brasileiras.

Às 20:20, Paulo Scott abre os trabalhos. Com pinta de comediante stand up, André Czarnobai aka Cardoso recepciona o público. “Puxa, você vieram”. De acordo com Marcelo Träsel, um dos colaboradores do Qualquer, jornalista e professor universitário, o público era mais ou menos o mesmo da primeira edição do evento. A divulgação daquela havia incluído spots no rádio, cartazes, flyers. Essa foi no esquema de networking: e-mails, Orkut, boca-a-boca. O conceito da festa, de cochicho, deu efeito.

Douglas Dickel sobe ao palco, dá o endereço de seu Flickr, e Träsel, amigo e apoiador de Cardoso, elevado, dessa vez a participante e a operador de projeção do evento, solta suas imagens. O fotógrafo se agacha no palco, de costas para a platéia, e deixa rolar a apresentação, permanece em silêncio. As imagens de musgos e liquens sobre variados suportes sucedem-se vinte vezes, entremeadas por um som que dá a impressão de televisão fora do ar, até que um apito forte no último diapositivo assusta o público e desperta risadas moderadas.

Träsel é o segundo a apresentar. Não abandona seu posto no comando da projeção. Tímido, responsabilizou-se pela produção da apresentação, mas não sobe ao palco para mostrá-la. Quem o faz são Pablo Sotomayor, músico, e Tati Rosa, bailarina e namorada de Träsel. A idéia da apresentação surgiu na primeira Pecha Kucha, com a empolgação que os tomou. Sentimento compartilhado com outros vinte espectadores que se candidataram naquela ocasião, para participar dessa segunda edição. Na tela, a cada vinte segundos uma pedra redonda aparece. Elas vão se organizando cuidadosamente de baixo para cima, como que a se empilhar. Sotomayor toca uma espécie de xilofone ao vivo, no palco, e Tati faz improvisações de dança. A performance toda, de acordo com Träsel foi atrapalhada por problemas com o som. E ele não quer repetir. “Já participamos, agora só como espectadores”. As pedrinhas eram uma referência à cultura budista, do mani stone, pedras que os viajantes deixam por onde vão passando, como explicou Träsel, dias depois. Cardoso, ao fim da apresentação, lança “Que diriam os japoneses diante de todas aquelas pedras se acumulando na tela? Marcelo Träsel, você tem uma mente intrigueira. Penso em muitas coisas, como, por exemplo, a ordem da terra, penso no consumo de drogas, crack e essas coisas, e penso em várias coisas que não vêm ao caso no momento. No momento o que vem ao caso é que talvez seja interessante saber se a próxima apresentação está devidamente formada e pronta para subir ao palco. Eu preciso de um positivo, um sim ou não... Disse sim? Então, a partir de agora, Milton Colonetti e Naja Band tomam o controle da Pecha Kucha Night Porto Alegre”.

Seis rapazes e uma garota tomam o pequeno palco, após ainda certa demora do som e luz unirem-se dão início a uma performance sobre uma certa girafa em perigo. Non sense? A Balada da Girafa Moribunda teve problemas: o laptop que hospedava o vídeo se desligou misteriosamente. Milton Colonetti lia com tamanha venalidade que nem sequer reparou no erro. E o público gostou tanto da Balada que exigiu bis no final, para compensar os problemas técnicos.

Cardoso, bem humorado, a cada erro dos laptops amaldiçoava Steve Jobs e Bill Gates: o protótipo dos geeks profanava a sacrossanta informática. Apesar dos esforços de Träsel, que recolheu e revisou todas as apresentações, a maioria em Powerpoint, algumas em vídeo, as máquinas faziam aquilo que, em geral, fazem de melhor: deram pau. Träsel ri das situações e, com calma, responde, “é que nem na televisão, não pode parar”.

Assista a apresentação de Marcelo Guidoux Kalil e Val Kuhn





As apresentações incluem fotos, pinturas, videoarte, e uma inédita conferência sobre os possíveis efeitos nefastos do Tetris na vida dos jogadores compulsivos do desafio russo de empilhar tetraminós ao limite do infinito. Quem ocupa por último o palco é Viv e os Timoneiros, um grupo que entoa mantras, meio hiponga, que usa todo o seu tempo em uma única música. Depois deles Milton, Naja e sua girafa voltam, para embalar as despedidas das duas centenas e meia, que desapareceram em poucos minutos. Eles provavelmente voltarão no dia 3 de novembro, para a terceira Pecha Kucha Night Porto Alegre.


Assista a apresentação de Guilherme Dable



Site oficial da Pecha Kucha Night Brazil


Local onde se realiza o evento

Créditos: Os vídeos são de responsabilidades dos próprios apresentadores, devidamente creditados, e foram disponiblizados no You Tube após o evento. A imagem que ilustra a matéria é de Carla Barth, e é um reprodução do cartaz do evento.




Esta matéria foi escrita em julho de 2007. De lá para cá, mais uma Pecha já foi realizada, e Tóquio já está na 48ª, que aliás se realiza amanhã, lá, no SuperDeluxe!

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Internet for all

Pesquisas indicam que 70% dos brasileiros jamais tiveram contato com a internet, mas uma Biblioteca Virtual em Paulínia, interior paulista, aponta o caminho a ser trilhado para que o Brasil não fique de fora da revolução cultural que a web está preconizando

Tales Tomaz

Nem Taj Mahal nem Cristo Redentor. Na rede mundial de computadores, ou simplesmente internet, as sete maravilhas do mundo atendem pelo nome de Google, Second Life, Wikipedia, Youtube, Creative Commons, Napster e Orkut. Além de atrair centenas de milhões de "turistas" diariamente e gerar bilhões de dólares de receita, as sete maravilhas, carros-chefe da revolução cultural que a internet está preconizando, estão redefinindo o mundo como o conhecemos.

Graças à internet e suas maravilhas, transações internacionais podem ser fechadas em minutos. Pessoas de países diferentes podem se conhecer a milhares de quilômetros de distância. Fatos são noticiados no momento em que acontecem. Músicas e vídeos são compartilhados com uma facilidade jamais vista. Com o surgimento da internet, o direito à informação tornou-se um dos novos protagonistas das questões globais. Hoje é praticamente consenso entre os países desenvolvidos que não épossível exercer plena cidadania sem acesso à quantidade e diversidadede informações que a internet disponibiliza.

No entanto, quando se pensa em Brasil, ter acesso aos benefícios da internet ainda não é para qualquer um. O que faz o país acordar para a realidade são algumas pesquisas do Comitê Gestor de Internet no Brasil (CGI.br), cujos dados apontam que cerca de 70% dos brasileiros jamais tiveram contato com a internet. Para piorar as coisas, apenas 20% dos lares contam com um computador pessoal e, destes, apenas 14% têm acesso à internet. Resumindo: apenas 3% dos lares brasileiros têm acesso à rede. Quer comparar? Quase 70% dos coreanos podem ver diariamente seus e-mails e as notícias que mais lhes interessam na rede.

A exceção da regra
Contudo, se você cair de pára-quedas em Paulínia, cidade do interior paulista que fica a meia hora de Campinas, não terá muita dificuldade em acessar a internet. Mesmo sem conhecer ninguém por lá, é só pedir informações para uma ou duas pessoas e você já estará diante da Biblioteca Virtual de Paulínia, projeto da prefeitura onde mais de 50 máquinas estão conectadas à internet. Os habitantes de Paulínia e cidades vizinhas (Cosmópolis, Conchal, Artur Nogueira, entre outras) podem freqüentar a biblioteca seis dias por semana – ela funciona de segunda a sexta, das 9 às 22h, e aos sábados, das 9 às 18h.

Paulínia é um raro exemplo de como um eficiente projeto público pode transformar a vida de uma cidade. Ela é uma das primeiras cidades a investir na democratização da informação e da cultura digital, sem esperar por programas de inclusão do Governo Federal, como o "Computador Para Todos". Tudo bem que a velocidade da internet não é lá essas coisas. Mas rapidez de acesso é algo que não preocupa os usuários, a maioria deles formada por pessoas que não tinham condições de navegar pela web ou nem mesmo conheciam a internet antes da iniciativa local. Nem mesmo a restrição de conteúdo afasta os cidadãos da biblioteca – os conteúdos considerados "nocivos" pela administração têm que ver com pornografia e pedofilia, temas ainda incomuns à pacata cidade. Mas o Orkut e o MSN estão liberados. Bom para manter a interação virtual em dia. E o melhor de tudo: a entrada é gratuita. Isso mesmo, o acesso à web é "na faixa" e o resultado não poderia ser melhor. Cerca de 500 pessoas visitam diariamente a biblioteca, um número bastante expressivo para a cidade.

Cadastrar-se para usar a internet da biblioteca de Paulínia pela primeira vez é muito simples. Com o RG em mãos, em menos de um minuto você já pode pegar a senha e esperar na fila para acessar ocomputador. A palavra "fila" soa ruim? E se ela demorar em média apenas dois ou três minutos? Não é tão ruim assim, não é mesmo? Ainda mais quando se leva em conta que, quando sua vez chegar, você terá esperado pouquíssimos minutos para navegar pela rede por uma hora, com direito a renovação. É verdade que, em horários de pico, a espera aumenta um pouco. Mas nada que desestimule o acesso. A verdade é: na Biblioteca Virtual de Paulínia tem sempre um computador conectado à internet esperando para ser usado.

Não são poucas as testemunhas de que a Biblioteca Virtual mudou o cotidiano de muitas pessoas, até mesmo dando uma mãozinha na hora de fazer tarefas escolares. "Você pode fazer várias pesquisas para a escola e não precisa pagar nada, porque é público", afirma Huelberth Muniz, 16, estudante. Ele não tem computador em casa e não poderia fazer pesquisas pela internet se não fosse a Biblioteca Virtual.

A Biblioteca também facilita as coisas para Crizam César dos Santos, 18. Ele jogava no time do Ipatinga, interior de MG, e foi transferido para o Paulínia Futebol Clube. Como não conhece ninguém na cidade, passou a freqüentar regularmente a Biblioteca Virtual. "Vou conversar com meus amigos que jogam no Ipatinga e com minha família. Se eu não pudesse usar a biblioteca, teria que ligar e sairia bem mais caro", compara Crizam.

Tanto Huelberth quanto Crizam vão à Biblioteca Virtual por motivos diferentes, mas têm algo em comum. Ambos são privilegiados por estarem em contato com a chamada cibercultura sem terem condições econômicas para tanto. Mas a realidade da internet no Brasil continua sendo injusta – os maiores índices de acesso estão principalmente entre as classes A e B.

Quebrando a cabeça
Muita gente – especialmente acadêmicos – quebra a cabeça para saber como incluir aqueles que não têm um tostão no bolso para gastar em lan-houses ou para financiar um computador em parcelas mensais a perder de vista. Após a tímida atuação do "Computador Para Todos", o laptop de 100 dólares é a nova vedete da inclusão digital no Brasil. O principal beneficiado seria o setor educacional, já que a idéia é que cada aluno tenha um laptop para ser usado nas escolas.

Quem lançou o projeto foi o professor Nicholas Negroponte, do MIT (Massachussets Institute of Technology), em 2005. Ele criou a instituição OLPC (One laptop per child, ou "um laptop por criança"). Negroponte acredita que a inserção precoce ao mundo virtual é o caminho mais eficiente e rápido para combater a pobreza, a miséria e o analfabetismo nos países subdesenvolvidos.

O Brasil topou a idéia e já começou a pôr em prática. A professora Roseli Lopes afirma que já há vários desses laptops em testes no País, desde dezembro de 2006. Ela é a coordenadora do LSI (Laboratório de Sistemas Integráveis) da USP, que é responsável pela condução do projeto no Brasil. Mas, para que a iniciativa tenha êxito, alguns obstáculos precisam ser removidos. "Os valores ainda estão acima deUS$ 100. Por exemplo, o laptop da OLPC está entre US$ 150 e US$ 175", afirma Roseli. Com valores como esse, ficaria muito difícil o governo financiar a distribuição desses aparelhos. Mas Roseli acredita que não se deve perder o otimismo. "Uma vez congelada uma especificação e fabricados lotes em larga escala, este valor poderá cair", ela espera.

O preço, no entanto, não é a única barreira. A falta de capacitação dos professores também assusta. Alguns não sabem sequer usar um computador. Apesar disso, Roseli acha que não haverá problemas. "Já fizemos testes com professores que disseram ter computador em casa, mas que nunca usaram, pois quem usa são os filhos. No caso destes novos dispositivos, eles comentaram: 'nossa, é mais fácil do que eu pensava'", garante.

Copyright for all
Depois de vencer os empecilhos de preço do aparelho e do preparo dos professores, a grande preocupação do Governo Federal e das escolas deveria ser muito mais do que a simples alfabetização digital. É preciso integrar os alunos à realidade da cibercultura como espaço globalizado e democrático. Mais do que ensinar os alunos a baixar doYoutube, é fazê-los produzir os próprios vídeos e dividi-los na rede. Além de preparar a nova geração para consultar conceitos na Wikipedia, é necessário capacitá-los para criar seus próprios verbetes. Roseli acredita que a grande vantagem dos programas de inclusão digital é a criação coletiva que a internet permite. "O que eu considero que irá mesmo provocar mudanças são as possibilidades de autoria, principalmente de autoria colaborativa tanto por parte dos professores como dos alunos", destaca.

É essa capacidade de produzir as coisas em colaboração que, muitos acreditam, moverá o mundo daqui para frente. Quem afirma isso é o advogado Larry Lessig, criador do Creative Commons, algo como"criativo coletivo".

A proposta é de uma forma mais flexível e aberta de licenciar produtos. Para se entender a reviravolta provocada pelo CC, é só imaginar que o licenciamento tradicional impedia a alteração do produto e restringia a cópia do mesmo à autorização do autor. Com o CC, nada disso faz sentido. O autor pode autorizar a reprodução total do produto, bem como sua alteração por outros usuários. Na verdade, esse é objetivo: que o produto seja aperfeiçoado por inúmeros outros usuários que não são impedidos pelo famoso "copyright". "Astecnologias digitais abriram um grande panorama de oportunidades criativas", afirma Larry Lessig, ao se referir ao trabalho colaborativo. "O CC ajuda autores e artistas que querem encorajar as pessoas a compartilharem seu trabalho não comercialmente, mas querem manter os direitos comerciais".

Para Lessig, "a cultura brasileira é, por natureza, feita para esse tipo de energia criativa". No entanto, o Brasil ainda está distante dessa realidade. Iniciativas como a Biblioteca Virtual de Paulínia, antes de poderem incluir os cidadãos efetivamente à cibercultura, ainda estão presas à maior necessidade da população: a alfabetização digital. Huelberth e Crizam, os dois usuários dabiblioteca do início da reportagem, mesmo representando uma pequena parcela da população brasileira, ainda engatinham no universo da cibercultura. O que dirá daqueles que nunca tiveram acesso acomputador algum? Depois do feijão com o arroz, quem sabe o Brasil pode sonhar, no futuro (esperamos não tão distante), assumir posição de destaque no mundo da cultura digital. Afinal, como disse Lessig, fomos feitos para "esse tipo de energia criativa". Alguém duvida?

(Reportagem de junho/07)