sábado, 16 de fevereiro de 2008

30 anos sem Clarice Lispector

Mesmo após três décadas de sua morte, Clarice Lispector permanece única na literatura brasileira.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Silvino Santos, o pioneiro esquecido

[Retratando a Amazônia com muita sensibilidade, Silvino Santos mostrou a Amazônia para o mundo.Hoje nem mesmo Manaus conhece quem foi o cineasta da Selva.]

Por Antonio Carlos Junior
Após o declínio da borracha, Manaus era um misto de desânimo e descaso. Pouca coisa poderia resultar em alento para o povo manauara, acostumado com o luxo, ostentação e a grandeza proporcionados pelo período áureo. Isso até que entra em cena um português, que adotou a Amazônia como sua pátria mãe. Através de sua lente, Silvino Santos (1886-1970) retratou a cultura do povo do NORTE, suas peculiaridades e seu jeito de ser como se fosse nascido na região. Apesar da sua inegável contribuição, Silvino é desconhecido pelo povo que tanto dedicou atenção em seus filmes. Apenas estudiosos e pesquisadores em busca de uma identidade regional conhecem o seu trabalho reconhecido dentro e fora do Brasil.

Biografia

Silvino Simões dos Santos Silva nasceu em Sernache do Bonjardim,pequena vila da Beira Baixa,Portugal, no dia 29 de Novembro de 1886.Seus pais,Antonio Simões dos Santos Silva e Júlia da Conceição Silva, era considerado um casal respeitado e de muitas posses. Ele foi professor primário,músico e um próspero agricultor.Além disso, o irmão mais velho de Silvino,Carlos Santos, trabalhou no comércio e teve cargos importantes em Belém e Manaus.

O que fez um garoto, aos 13 anos,cheio de regalias e sempre acompanhado de muitos séquitos parar no Brasil? A pesquisadora Selda Vale da Costa, autora do Livro “Eldorado das ilusões – Cinema & Sociedade: Manaus

(1897-1935)”, relata o espírito de Aventura.Em seu livro comenta-se que o cineasta teve uma experiência mal sucedida no seminário em Sernache. Mandado pelo pai, Silvino foi para a cidade do Porto,onde trabalhou no comércio do tio, um rico comerciante de sedas. A experiência também não obteve bons resultados. Quando estava no Liceu, Silvino Santos leu uma matéria que chamou muito a sua atenção.Na revista “Selecta Portuguesa” tinha uma matéria sobre o Rio Amazonas. Após ler o texto ele convenceu o tio e o pai, vindo então para o Brasil em Novembro de 1899 com uma família amiga.

As múltiplas habilidades do cineasta da selva

Chegando no Brasil, Silvino Santos instalou-se em Belém (Pará). Trabalhou por Três anos na livraria do senhor Taveira Barbosa. Após adoecer, passa quatro meses no interior, acompanhando um primo, dono de um comércio. Começa sua paixão por imagens: aprende fotografia com uma máquina 13x18. Aprimorou suas técnicas com Leonel Rocha, fotógrafo e pintor. Contratado por Leonel, Silvino viaja para Iquitos, no Peru, onde passa dois meses. Volta a Portugal, onde passou um ano fotografando familiares, amigos e a região. Retorna ao Brasil , novamente para Belém, em 1903.

Em 1910 instala-se definitivamente em Manaus. Um ano depois largou o emprego que tinha na loja do irmão Carlos e montou um estúdio, realizando trabalhos como fotógrafo e pintor.

Acervo

Ao todo foram 8 documentários de longa metragem, 5 de média e 83 curtas. Entre eles estão alguns caseiros e outros quando esteve em Portugal. Para o pesquisador e professor Narciso Lobo, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), os filmes de Silvino eram de linguagem básica e de boa qualidade técnica. “Silvino teve a oportunidade de viajar até a frança, onde foi possível o contato com os equipamentos e tecnologias mais modernos na época”, comenta. Narciso é autor do livro “No rastro de Silvino Santos”, junto a Selda Vale. Para o pesquisador, Silvino foi de grande importância para o cinema, mas faltou um senso crítico em seus filmes.”O acervo dele compõe a visão da Amazônia, com suas belezas e costumes, mas sem nenhum senso crítico sobre a mesma. ”, complementa.

Para a produção, o cineasta contou com ajuda financeira para executá-los. Em 1917, o então Governador do Amazonas, Pedro Bacellar, tinha a intenção de levar a região para o mundo. Naquele exato momento, Manaus já sofria com o declínio da borracha. Surge então a Amazônia Cine-filme, uma união de governo e alguns empresários. Silvino foi contratado e teve acesso aos melhores equipamentos. Ao todo foram 12 documentários e o primeiro grande trabalho: Amazonas, o maior rio do mundo. Sugerido por um dos acionistas, Coronel Avelino, Silvino Santos passou três anos filmando. Persuadido, o Coronel entrega os negativos do filme para o noivo da filha, professor Propércio Saraiva, levando-os para revelar em Londres. Tempos mais tarde descobriu-se que o filme foi vendido para uma empresa de turismo. A Amazônia Cine-filme entra em bancarrota e Silvino perde o emprego.

Surge então a figura do maior patrocinador da carreira do cineasta: Joaquim Gonçalves de Araújo, O J.G. Na época, J.G. era o nome mais poderoso em Manaus, visto que diversificou seus negócios além da borracha, o que garantiu sustentabilidade quando a crise chegou. Mais uma vez com acesso ao melhor, Silvino pode fazer o trabalho mais conhecido: “No paiz das Amazonas”, seguido de “No rastro do Eldorado” e “Terra encantada”. Além dos trabalhos no Brasil, foram feitos 35 documentários em Portugal.

No Paiz das Amazonas – o fenômeno

Entre 1920 e 1922, Silvino Santos filmou o Amazonas e parte de Rondônia e Roraima. A intenção de J.G. era “vender o estado” para o mundo, começando pela exposição de centenário da Independência, no Rio de Janeiro, em 1922/1923. O filme teve circulação nacional e internacional entre 1922 a 1930, percorrendo a Europa e Estados Unidos. Sempre com muita repercussão, os cinemas ficavam lotados. Existem dois fatores que podem explicar o sucesso: o primeiro por ser de longa metragem (muito raro até então!) e o outro porque teve permanência longa em exibições. Os filmes naquela época não duravam mais do que dois ou três dias. Em Manaus ocorreu uma transformação: a cidade sem vida transformou-se na Manaus com seus cinemas com todos os lugares ocupados. O sudeste brasileiro reverenciou a obra, tanto que na Semana de Arte Moderna, em 1922, o filme foi considerado um orgulho nacional.

A influência do pioneiro

Na década de 1960, alguns estudantes e intelectuais, apaixonados por cinema, criaram um grupo de estudos chamados GEC (Grupo de Estudos Cinematográficos). Muitos deles tornaram-se pessoas destacadas na sociedade Manauara. Entre eles estava o escritor Marcio Souza, autor do livro MAD MARIA (que virou minissérie da Globo). Em 1969, O GEC organizou o primeiro festival Norte de Cinema Brasileiro. Como homenagem especial foi dedicado um prêmio para Silvino Santos. O radialista, crítico de cinema e jornalista Joaquim Marinho, um dos ex-participantes do Grupo, lembra como descobriram a obra de Silvino.” Em 1968, estávamos na casa de um dos integrantes do GEC,Cosme Alves Neto, e discutíamos a respeito do festival quando o pai de Cosme, encostado na Janela, sugeriu o nome de Silvino. Saímos em busca do paradeiro de Silvino.Descobrimos que ele estava morando numa casa muito simples do J.G. Araújo. Chegando lá, Silvino estava sem camisa e recepcionou com muita boa vontade. Ele cedeu seus filmes para nossa cinemática e perguntou com o sotaque de português: O que os garotos querem saber de cinema?”, lembra Marinho.

Joaquim Marinho recorda outro momento em que Silvino Santos subiu ao palco para ser premiado: “Ele fez um discurso totalmente anti-americano.Disse que os Estados Unidos dominava o Cinema e não deixava ninguém fazer. Ele esculhambou pra valer!” – Brinca o jornalista.

Daí em diante sucederam-se algumas obras sobre Silvino Santos: Marcio Souza escreveu um livro,Roberto Kahané; outro ex-integrante do GEC, fez um filme: Silvino – o fim de um pioneiro. Joaquim Marinho criou e participou de algumas obras de seus amigos: foi locutor do filme de Kahané e idealizador de um selo comemorativo a Silvino no final dos anos 80 .Além desses também seria mais uma vez locutor de um filme de J.Borges (Cineasta Paulista que morava em Manaus) ainda inédito.”Eu me comprometi a fazer o filme e nunca consegui realizar. O filme está até hoje mudo”, confessa. Em 1997, Aurelio Michiles produziu o filme Silvino Santos – O cineasta da Selva, com a participação de José de Abreu.Também participam Joaquim Marinho, Marcio Souza e Domingos Demasi, outro nome do GEC.

O fim de uma era

Silvino morreu pobre em 1970.Com exceção do GEC, apenas Aurelio Michiles lembrou dele no cinema. Para o professor Narciso Lobo o tempo foi o fator determinante: “ Silvino Santos sofreu um isolamento do tempo. Isso é uma característica do Cinema na região. Vem alguém, produz alguma coisa e cessa. Muito tempo depois vem outro e começa todo o processo do zero novamente”- Afirma Lobo. Para Joaquim marinho o cineasta sofreu o esquecimento recorrente com a maioria dos artistas no Brasil. “Tem gente que não sabe quem é Jorge Amado ou Gabriel Garcia Marquez. O Marcio Souza é um cara super intelectualizado, já fez uns trinta ou quarenta livros e só foi conhecido por causa da Rede Globo”, afirma categoricamente.

Seja pelo fator tempo ou simples descaso cultural a verdade é uma só: Silvino Santos é mais um integrante do hall dos injustiçados. Sua obra ainda é tão misteriosa quanto os segredos da região que tanto amou e registrou em sua câmera.

Saiba mais sobre Silvino Santos:

· O Eldorado das Ilusões. Cinema & Sociedade: Manaus (1897-1935) – Selda Vale da Costa. Manaus.Editora da Universidade do Amazonas,1996.

· No rastro de Silvino Santos: Selda vale da Costa e Narciso Lobo. Manaus: Superintendência Cultural do Amazonas.1987.

· A Tônica da Descontinuidade,(Cinema e política em Manaus na década de 60) – Narciso Julio Freire lobo.Manaus:UA,1994.

· Silvino Santos – O Cineasta da Selva, De Aurelio Michiles.Com José de Abreu. Vencedor do prêmio de melhor longa estreante no festival de Brasília, em 1997.



quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

A arte invade a rede

A web transforma-se em palco para novas experimentações artísticas

Taynée Mendes

Você já visitou uma galeria virtual? Caso espere encontrar fotografias de obras artísticas, assim como a foto da famosa Mona Lisa disponibilizada no site do Museu do Louvre, sairá decepcionado. Diferentemente do que muitos acreditam, o termo “galerias virtuais” abrange obras que levam em consideração a linguagem da internet na composição artística: a chamada web-arte.

Proporcionando um novo espaço sensorial e dinâmico, a web-arte utiliza a rede como forma de expressão, explorando sua linguagem e todas as suas vantagens. Aliás, vários conceitos pairam sob a web-arte, também denominada arte online ou net arte. Pode-se dizer que a diferença está nos protocolos utilizados; a net-arte engloba usos artísticos de todos os protocolos da internet (http, ftp, e-mail, MUDs, espaço virtual em 3D), a web-art refere-se a abrangência da rede WWW (World Wide Web), a parte da internet que conheceu mais forte progressão nos últimos anos.

Andreas Brogger, editor de arte da revista dinamarquesa Hvedekorn, defende que net-arte é um tipo de arte que “não pode ser experimentada em outro meio que não seja a própria rede”, ou seja, estar conectado é um critério definitivo, pois o projeto artístico “deve se transformar em função de sua presença na internet”. Embora haja diversas teorias e discussões sobre uma denominação exata desse tipo de arte, tentar definir o que é um site de web-arte vai muito além desses conceitos.

Grosso modo, o que diferencia um site de web-arte dos demais é a sua proposta. Imagine que site comum ofereça uma gama de serviços comerciais, por exemplo. Um site de web-arte disponibilizará um canal de experiências visuais, sonoras, temporais, priorizando a interação com o visitante. Uma obra de arte para a web visa a estabelecer relações com a sensibilidade do internauta, tornando a navegação – geralmente um ato banal ­– uma experiência única.

Obras de web-arte buscam resultados subjetivos, os quais são produzidos a partir do repertório visual do receptor. Assim, a leitura de típicos trabalhos de web-arte que aproveitam elementos do universo computacional (barras de navegação, botões padrão, mensagens de alerta) passa a depender do conhecimento dessas informações por parte do visitante.

O web-artista Lucas Bambozzi colecionou o lixo eletrônico que recebeu sob formas de SPAMs – mensagens não solicitadas – e, com isso, discute questões relacionadas aos espaços público e privado na rede. Quem não souber o que é SPAM, provavelmente não terá uma boa apreciação da obra. Este trabalho foi participante do núcleo Net Arte Brasil, na XXVª Bienal de São Paulo e pode ser visto em www.comum.com/diphusa/meta.

A arte que não é arte

O termo “arte” é muito difundido na rede, e isso, com freqüência, gera apropriações erradas. Confunde-se esse tipo de expressão artística com a versão aplicada da arte na web: o webdesign. Enquanto designers se esforçam por criar um aspecto cada vez mais autoral na confecção de sites com intuito comercial, os artistas da rede, por sua vez, buscam nas soluções do design elementos adequados para viabilizar seus trabalhos artísticos.

Para muitos, entretanto, não há fronteiras sólidas entre webdesign e web-arte. A partir do impressionante domínio de sofisticadas técnicas de criação e animação, muitos sites acabam recebendo o equivocado status de arte. Em contrapartida, vários artistas da rede também realizam trabalhos de webdesign. No Brasil, o artista multimídia Rui Amaral pode ser considerado um exemplo desse caso: em sua página pessoal possui tanto trabalhos de web-arte – destituídos de qualquer propósito, a não ser o artístico – quanto criações de sites que realiza com fins comerciais.

–Trabalhar com webdesign pressupõe uma funcionalidade comercial, geralmente limitada a uma empresa ou instituição. Em web-arte, embora os recursos técnicos utilizados sejam os mesmos, a liberdade de criação é muito maior, porque envolve pensamento como toda obra de arte – esclarece Rui Amaral, um dos precursores da web-arte no Brasil.

Sonho antigo

A idéia de uma sinergia entre arte e comunicação é sonho antigo dos artistas. É inclusive anterior ao advento da internet. Num momento em que se começou a valorizar a comunicação, a arte postal (ou mail art) tornou-se o primeiro movimento da história da arte a ser verdadeiramente transnacional. Estabelecida em 1963, por Ray Johnson, a arte postal reuniu artistas de diferentes nacionalidades e posições ideológicas a fim de experimentar novas possibilidades tecnológicas, intercambiando “trabalhos” numa rede livre e paralela ao mercado “oficial” da arte. Por isso ela é certamente uma das primeiras manifestações artísticas a tratar a comunicação “em rede” como objeto.

Com o desenvolvimento das recentes interfaces eletroeletrônico-informáticas nos anos 1970, a vontade dos artistas de utilizar meios e procedimentos instantâneos de comunicação em seus trabalhos também floresceu. Nesse período, vários artistas perceberam que a idéia de ubiqüidade da arte estava calcada na relação entre a arte e as telecomunicações, com a criação de projetos de ordem global. Experiências nesse campo se proliferaram, utilizando satélites, SSTV, redes de computadores pessoais, telefone, fax e outras formas de distribuição por meio das telecomunicações e da eletrônica.

A década de 1980 foi o período em que a net arte começou a tomar corpo. Ainda nesse ano, Roy Ascott deu início ao primeiro projeto de arte internacional de computer conferencing (sistema de comunicação via rede de computador que permite ler e responder mensagens dos participantes em fórum eletrônico público), entre o Reino Unido e os Estados Unidos, intitulado Terminal Consciousness. Para realizar tal empreitada, contou com o uso da rede Planet, da sociedade Infomedia. Por isso, além de teórico e artista, Roy Ascott é considerado um dos pais da arte telemática, expressão que une telecomunicações e informática.

O diferencial da arte na rede

Grande parte dos eventos em arte e telecomunicações utilizando o computador ou outros meios anteriores à internet acontecia a partir de redes efêmeras. Os artistas se reuniam em um local estabelecido, com os meios disponibilizados exclusivamente para fins específicos de determinada obra. Uma vez transcorrido o evento, a “rede” e o “grupo de participantes” deixavam de existir. O mesmo não ocorre com a internet. A partir deste advento, surge a possibilidade de se ter “espaços de interação permanentes”, para usar as palavras de Gilbertto Prado. Além de seu caráter inerentemente interativo, a internet ainda torna disponíveis os sites para o acesso de um público muito mais amplo do que o restrito universo artístico.

Falar em obras para a rede significa que o artista se utilizará dela como suporte, incorporando vários fatores inerentes ao meio na construção de sua poética. Características como hipertextualidade, instantaneidade e interatividade são somadas às obras num campo imaterial, e passam a ter alcance mundial e reprodutibilidade infinita. Qualquer criação, artística ou não, estará sujeita a estes elementos, inerentes à internet. A web-arte, em particular, poderá utilizar esses elementos de forma a centrar sua produção artística.

Entendendo a rede

Não se pode falar em web-arte, sem entender o contexto em que ela está inserida. A esse propósito se deve a pesquisa “Redes Eletrônicas, Arte e Tecnologia: novos modelos teóricos”, sob coordenação da pesquisadora Ivana Bentes, atual diretora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora doutora em Comunicação, Ivana Bentes, apesar de ter iniciado sua pesquisa em setembro de 2000, considera o assunto bastante atual: “Vivemos em um tempo, em que a comunicação se expande em todo mundo; câmeras digitais são barateadas, telefones celulares são popularizados, a internet passa ser uma das principais fontes de informação e entretenimento da população. Dessa forma, todo o aparato tecnológico, que utilizamos costumeiramente para se comunicar, gera propostas novas no campo artístico”.

Como surgiu o interesse em pesquisar web-arte?

O projeto surgiu de uma monografia de final de curso, dentro da minha pesquisa ampla que estuda a mídia-arte, a qual tenta entender a questão das tecnologias de comunicação no campo específico da arte. A proposta inicial é que os meios de comunicação sejam o material do artista. Não é a pintura, a escultura, nem os meios tradicionais, mas a própria tecnologia serve de inspiração para produção de “obras tecnológicas”. Na realidade, os “meios” de comunicação deixam de ser “meios” e se tornam a própria forma de expressão. O meio vira a obra. No caso da web-arte o meio em questão é a rede WWW. Eu, que sempre trabalhei com estética no audiovisual, tive a curiosidade em pesquisar essas novas formas estéticas nesse outro espaço, o da internet.

Quem produz a web-arte?

Na web-arte, questiona-se o conceito de autoria. Como as pessoas que produzem para a internet se definem? Elas são designers, ativistas políticos, programadores, performers. Essas novas formas de expressão colocam em cheque a idéia de obra de arte tradicional. Por isso, questionamentos como “onde está a arte” ou “quem a produz” são difíceis de responder.

Como a web-arte está sendo encarada no circuito de arte contemporânea?

A web-arte ainda vive uma crise de legitimação, por ser uma arte emergente. São poucas as obras de web-arte em grandes exposições de arte contemporânea. No Brasil, a web-arte se insere no contexto em que arte e tecnologia se conjugam. Em São Paulo, o Itaú Cultural representa bem essa vertente, já no Rio de Janeiro temos o Festival Internacional de Linguagem Eletrônica (FILE) e o Centro Cultural OI Futuro. Esses centros culturais ainda estão se preparando para exibir a web-arte, para entendê-la. O campo da web-arte está em constante mutação – já temos algumas obras feitas e pensadas para a plataforma 3D do Second Life –, por isso restam algumas questões. É arte? Não é arte? Vai acabar em um museu ou não vai? A web-arte é uma obra híbrida nesse sentido.

Referências:

PRADO, Gilbertto. “Arte Telemática: dois intercâmbios pontuais aos ambientes virtuais multiusuário”, Itaú Cultural, 2003

http://www.pacc.ufrj.br

http://www.fabiofon.com/webartenobrasil

http://www.comum.com/diphusa/meta

http://www.artbr.com.br/

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

O Reino Encantado de Rouxinol e Araçari

O reino encantado de Rouxinol e Araçari

Há muito o sol está no alto, imponente. Há muito também os 3059 habitantes da pequena cidade de Sul Brasil, Oeste catarinense, já cumprem a rotina do dia santo. Já foram ao culto, as mulheres já organizaram a casa, os homens já cortaram a lenha e as visitas já chegaram. Na casa de Leocádia Marmitt, uma fumacinha invade o ambiente e o cheiro de tempero denuncia que terá churrasco no cardápio, como não podia deixar de ser, “afinal é domingo”.
A varanda da casa desta mulher de 53 anos, olhos verdes que parecem esmeraldas submersas nas bochechas fofas, é pequena para receber as duas filhas, os genros, os três netos e as constantes visitas. A conversa, entre um chimarrão e outro, corre animada, enquanto no pátio as crianças brincam, os casacos já jogados na calçada, o suor escorrendo na face e nas costas.

De repente, a prosa silencia, o pega-pega das crianças é interrompido e todos ficam atentos à voz que vem do velho radinho de pilha. “Este é o programa Som da Viola, com Rouxinol e Araçari”. A dupla dá boa tarde aos ouvintes, num português despreocupado com a norma culta, mas que os ouvintes entendem bem. Começa então o primeiro som da viola e logo também do violão, até que as vozes se unem ao som e a letra inicia. “Eu nasci num recanto feliz, bem distante da povoação...”.

Se faltar sal e for necessário emprestar no vizinho, não precisa ser depois do programa, pois em qualquer lugar da cidade durante 45 minutos se pode ouvir as músicas, como trilha sonora coletiva dos domingos ao meio-dia.

No estúdio, a alguns quilômetros dali, a atenção é dividida entre o microfone e 15 cordas. As cinco cordas do violão se movem, conforme os dedos compridos de Araçari as tocam. Na viola, é impossível acompanhar as dez cordas, as mãos de Rouxinol a se moverem, ágeis. Ambos desde sempre sem nenhuma partitura.
Os olhos fechados, a expressão concentrada, os lábios pronunciando as palavras ouvidas pela família de Leocádia e grande parte da população da cidade e de lugarzinhos do alcance da rádio. As veias do pescoço saltam, descansam alguns segundos, enquanto a viola tem o momento de glória, na famosa “gaivota”, e após continua, os estrofes conhecidos: “No quintal tinha um forno de lenha e um pomar onde as aves cantavam, um coberto pra guardar o pilão e as traias que papai usava...”.

Depois da música, Araçari lê a primeira carta. Na casa todos se agitam. “Queremos pedir a música ‘Panela Velha’, do Sérgio Reis, e oferecer para Adão Marmitt, que hoje colhe mais uma rosa no jardim de sua vida. Quem homenageia é a esposa, Leocádia, e toda a família”.

As palavras são simples, quase sempre as mesmas. Só muda a música pedida. Contudo, o efeito que causa em cada família que ouve o nome é a mesma de um fã que recebe um autógrafo do ídolo. A comunicação entre a comunidade e o programa é geralmente feita por cartas. Mais de vinte por programa, todas lidas. Poucos usam o telefone, que é só para casos urgentes. A internet ainda é benefício de poucas famílias. Cerca de 70% da população nunca mexeu num computador.

Há 33 anos anos, primeiro como Dirceu e Adão e há poucos anos como os pássaros que um dia caçaram, eles são figuras conhecidas pelas redondezas. Quando há aniversário, almoço ou festa são eles que embalam a comemoração. Foi assim que ganharam visibilidade até serem ouvidos pelo diretor da Rádio Centro Oeste, da cidade vizinha, Pinhalzinho (SC), isto já há dez anos. “Às vezes, quando vamos pra ‘cidade’, as pessoas param e pedem ‘cadê a viola?’. A maioria não conhecemos. Eles ouvem a rádio e conhecem pela voz”.

No repertório estão modas de viola que ouviam reunidos ao redor do rádio, iluminados por um lampião, e que os acompanharam por toda a vida. Tonico e Tinoco, Lourenço e Lourival, Zezinho e Limeira e mais uma dezena de nomes servem de inspiração. As músicas cantadas com a mesma paixão. “A maioria é pra matar a saudade do caboclo. Quem canta lembra do passado, do que viveu. Quem ouve lembra também, sentindo falta”.

A moda de viola é uma modalidade da música caipira, destacando-se de outras pela estrutura, que inclui solos de viola, versos longos e letras que contam fatos históricos ou acontecimentos marcantes. Amplamente difundida nas décadas de 50 e 60 por compositores como Teddy Vieira e Lourival dos Santos, foi ela que deu origem à música sertaneja raiz, ao sertanejo atual, entre outros estilos. “Na década de 80 surgiu o sertanejo moderno, com Chitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo. A moda de viola quase desapareceu. Mas as pessoas que gostavam lutaram pra ela voltar. Depois de 2000, quando o cantor Daniel gravou, as modas voltaram a fazer sucesso.”

O recanto feliz

A vida na pequena cidade, cuja rua principal foi recém coberta por asfalto, inclui churrasco e bom chimarrão, a velha panela de ferro, a que faz comida boa, galinhas soltas no terreiro, carroças como meio de transporte e a música sertaneja raiz, com as modas de viola confundindo-se com as histórias vividas por muitos deles, adultos e jovens.

Rouxinol é Adão de Lima, um caboclo de 53 anos, pouco mais que 1m70, traços originários inconfundíveis, um bigode que dá a seu rosto um ar sério, uma expressão tímida, de quem canta mais do que fala. Durante a semana ele empunha a pá de pedreiro e ajuda a edificar a cidade, construir o espaço que irá abrigar as futuras gerações, daqueles poucos que não vão pra “cidade grande”. À noite ele segura pequenas mãos e dedilha com elas as primeiras notas, com a calma de um pássaro pousado sobre um galho, ajeitando os gravetos para abrigar o ninho. Assim também constrói um legado, como forma de não deixar que a música que canta pare de encantar. No fim de semana, ele sai dos andaimes, seu palco diário, e assume seu lugar atrás da viola, que junto com a pá é a ferramenta mais preciosa. A primeira lhe dá o sustento material, a outra o espiritual, seja imprimindo ritmo às canções do culto dominical ou ao lado de Araçari.

Aprendeu a tocar sozinho. Na época tinha uma dúzia de dedos preenchidos por anos vividos. O pai afinava violões para os amigos, mas não sabia mais do que uma ou duas notas. Primeiro treinava nos violões que o pai afinava. Depois comprou um violão, onde começou a arranhar as primeiras canções, conforme ouvia nas gravações da rádio. “Às vezes pegava um pedaço e demorava seis meses pra ouvir de novo a música. Nem toca-fitas existia. Não era fácil, tinha que teimar muito pra aprender”.

Dirceu Valentini é Araçari. Um ano mais novo, havia ganhado um violão do pai, Guerino, e a vontade de tocar se unia à frustração de não haver ninguém para ensiná-lo. Procurou um senhor que sabia algumas notas e recebeu uma triste resposta. “Ele disse que eu nunca ia aprender tocar, que o único que sabia de verdade era um tal de Adão, que tocava que nem os de ‘São Paulo’ – se referindo aos tocadores famosos”.

Na mesma semana uma casinha começou a ser construída a poucos metros da casa da família Valentini. Era a família Lima que estava se mudando. “Acho que era pra ser assim. Procurei o Adão logo pra ele me ajudar”. E das cordas do violão nasceu uma amizade que dura até hoje. Com a mesma paciência que hoje ensina às crianças, Adão segurava as mãos de Dirceu e ensinava o que pouco antes havia aprendido.
Noite após noite os dois se reuniam para tocar e cantar – embora nenhum soubesse direito o que era partitura, nem nota musical.
“A gente aprendeu muito, mas não sabemos nada. Três décadas depois ainda enrosco os dedos nas cordas”, afirma, rindo, Dirceu, uma antítese em relação a Adão. É um italiano alto, também de traços originários marcantes, que faz jus ao apelido que recebeu logo que começou a cantar: Sérgio Reis. E nem precisa estar de chapéu para notarmos a semelhança. Da mesa onde passa grande parte dos seus dias, num mercado, podemos ver, enfileirados, dezenas de troféus. Festivais da canção, participações em eventos e do Concurso da piada e da mentira. No início ele contava piadas e mentiras, logo se transformou num “mentiroso nato” e enfileirados podemos ver os troféus de campeão das últimas duas edições do evento. Mas ele garante que as modas de viola são histórias reais, as mentiras são exageros à parte.

Diferenças de lado, juntos, porém, eles são como os pássaros que lhes dão a identidade musical. Não obstante as diferenças no canto e aparência se unem para tocar na mesma nota. Não vivem da música, embora com o olhar sonhador não neguem que a vontade seria viver para cantar. Hoje tocam por prazer, mas espalham um legado. “A moda de viola nunca vai morrer. Me emociono ao ver esse monte de guris aprendendo. Hoje é bem mais fácil, é só querer. E eles querem. Querem porque viram ‘nós’ tocando e estão dispostos a aprender”, diz Adão, as palavras como preces, em que pede e agradece.

“Para quem não esperava tocar além do porão de casa”, eles estão quase realizados. Quase. Falta gravar um CD. A vontade está ainda no papel, em algumas letras que eles decoraram há algum tempo, e em fitas cassete, que gravam aos amigos que constantemente solicitam. O trabalho no estúdio já foi pago e quem sabe no ano quem vem realizem o que consideram o “maior sonho”.

Enquanto isso, levam suas vidas, no lugar de onde nunca sairiam. “É a coisa ‘mais boa’ do mundo”, diz Araçari, sob o sorriso de aprovação de Rouxinol. “Ir pra cidade só se não tivesse outro jeito”. Foi ali que nasceram e cresceram. É ali que cantam. É ali que vivem.

O programa termina. Na maioria das casas o churrasco é servido. Enquanto isso, a dupla, e a fome, voltam para Sul Brasil, contrariando a música que nos 10 anos de história é de longe a mais pedida. Na música o sítio é vendido a um grande criador de gado. O menino deixa o reino encantado e parte para a cidade grande. Fica a saudade, esquecida embaixo da figueira, na tapera, no que antes era vida. Ficam as modas de viola e vozes como de Rouxinol e Araçari para embalar o passado e torná-lo vivo na memória dos ouvintes.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Produtores independentes resgatam o imaginário nordestino

O vídeo-documentário A Gente se Ri retrata a incorporação da cultura popular nordestina de uma das formas mais antigas de arte e como essa forma de fazer arte ainda sobrevive no nordeste por meio dos seus mestres de cultura, entrevistados nesse belo documentário.

A arte de fazer rir. Essa é a temática do primeiro documentário do Projeto Vernáculo, realizado pela Fotogramas Cultura e Mídia, produtora cultural formada pelas recém formadas em Rádio e TV, Ianne Maria, Rita Machado e Cleidiane Vila Nova. O Projeto Vernáculo é patrocinado pelo Banco do Nordeste e consiste na criação de cinco vídeos-documentários sobre Cultura Popular do Rio Grande do Norte. O primeiro deles foi o A Gente Se Ri.

O documentário produzido pelo Fotogramas mostra uma das formas mais antigas de se fazer teatro e como ela foi adaptada para a cultura popular nordestina; o teatro de bonecos. Denominado de várias formas diferentes, dependendo do Estado em que esteja o Mamulengo (para os pernambucanos) é um resquício vivo da cultura oral nordestina e uma das formas que o homem pobre do interior do nordeste via de “cano de escape” para satirizar os seus “opressores” segundo a radialista e uma das produtoras do projeto Ianne Maria.

O vídeo alterna depoimentos de seis mamulengueiros de municípios diferentes do Rio Grande do Norte e mostra, a partir daí, como é feito o João Redondo (para os potiguares), desde a confecção dos bonecos de madeira até a elaboração da história e dos personagens. De forma descontraída, os artistas contam as suas histórias e “brincam” arrancando risadas do telespectador que acompanha o documentário.

Entre os entrevistados pela equipe do Fotogramas, está Josivan de Chico Daniel, filho e um dos maiores mestres de João Redondo do país, o potiguar Chico Daniel, falecido em abril deste ano. E também a Dona Dadi, uma mamulengueira de Carnaúba dos Dantas que enfrentou os preconceitos e as dificuldades de ser mulher em nome da vontade de brincar e de fazer esta arte.

Além disso, o vídeo conta também com um trecho de uma entrevista que a equipe do Fotogramas fez com Chico Daniel, pouco antes dele morrer em que ele fala da hereditariedade e da tradição que tem o João Redondo na sua família.

Para a elaboração do documentário foram entrevistados 10 mamulengueiros de 6 munícipios diferentes do Rio Grande do Norte, num período de 6 meses de pesquisa e produção do material. A primeira exibição do vídeo foi na segunda metade de junho deste ano como trabalho de conclusão de curso de radialismo da UFRN. O lançamento oficial foi no dia 8 de agosto de 2007 no Teatro da Cultura Popular em Natal com a presença de alguns mamulengueiros entrevistados além de um coquetel de comida regional.

O teatro de bonecos no nordeste

Segundo os pesquisadores, o teatro de bonecos chegou ao Brasil junto com os jesuítas e como um das formas que eles usavam de catequização. A temática era sempre religiosa e relacionada com passagens bíblicas.

Com o passar do tempo os escravos e os camponeses foram absorvendo essa forma de fazer teatro e passaram a utilizar elementos do seu cotidiano e da sua própria cultura, como as lendas populares, as estórias de cavaleiros e as brincadeiras características do homem do interior. Além disso, houve uma forte influência do “Comedia Dell’Arte “ originário da Itália que apresenta um tipo de personagem velhaco, fanfarrão, contraditório e explosivo, uma das características dos personagens do Calunga (para os paraibanos). A junção desses elementos e a criação de um tipo de narrativa em que o homem do interior se vê desde o linguajar dos personagens, até as situações características do Mamulengo, criaram uma forma de arte divertida em que o sertanejo muitas vezes satiriza as situações de opressão ao qual ele é submetido.

Esta forma de arte foi bastante difundida, principalmente no nordeste e no interior de Minas Gerais. Há registros também da presença dela em São Paulo e no Rio de Janeiro, sob a denominação de João Minhoca. No nordeste as apresentações de João Redondo ocorriam entre as festas religiosas e movimentavam as cidades em que acontecia.

Chico Daniel, o grande bonequeiro

Uma das maiores referências em João Redondo do país foi Chico Daniel, falecido no dia 3 de março deste ano. Natural de Assu, interior do Rio Grande do Norte, Chico Daniel era sapateiro e fazia alegria no interior do Estado com as suas apresentações, sempre regadas à criatividade e a bom-humor. O “bonequeiro” morava em Felipe Camarão, bairro da periferia de Natal e morreu de ataque cardíaco minutos antes de sair para mais uma das suas apresentações.

Chico Daniel deixou um legado de amor à cultura popular e de filhos que, como ele, também se dedicam a arte de brincar, a arte de fazer rir. O bonequeiro morreu aos 63 anos de idade.

Cenas do documentário



Trecho da entrevista com a radialista Ianne Maria

Silêncios

O Silêncio das Artes.
Uma tentativa de decifrar como diferentes manifestações artísticas lidam com o silêncio.