sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Silvino Santos, o pioneiro esquecido

[Retratando a Amazônia com muita sensibilidade, Silvino Santos mostrou a Amazônia para o mundo.Hoje nem mesmo Manaus conhece quem foi o cineasta da Selva.]

Por Antonio Carlos Junior
Após o declínio da borracha, Manaus era um misto de desânimo e descaso. Pouca coisa poderia resultar em alento para o povo manauara, acostumado com o luxo, ostentação e a grandeza proporcionados pelo período áureo. Isso até que entra em cena um português, que adotou a Amazônia como sua pátria mãe. Através de sua lente, Silvino Santos (1886-1970) retratou a cultura do povo do NORTE, suas peculiaridades e seu jeito de ser como se fosse nascido na região. Apesar da sua inegável contribuição, Silvino é desconhecido pelo povo que tanto dedicou atenção em seus filmes. Apenas estudiosos e pesquisadores em busca de uma identidade regional conhecem o seu trabalho reconhecido dentro e fora do Brasil.

Biografia

Silvino Simões dos Santos Silva nasceu em Sernache do Bonjardim,pequena vila da Beira Baixa,Portugal, no dia 29 de Novembro de 1886.Seus pais,Antonio Simões dos Santos Silva e Júlia da Conceição Silva, era considerado um casal respeitado e de muitas posses. Ele foi professor primário,músico e um próspero agricultor.Além disso, o irmão mais velho de Silvino,Carlos Santos, trabalhou no comércio e teve cargos importantes em Belém e Manaus.

O que fez um garoto, aos 13 anos,cheio de regalias e sempre acompanhado de muitos séquitos parar no Brasil? A pesquisadora Selda Vale da Costa, autora do Livro “Eldorado das ilusões – Cinema & Sociedade: Manaus

(1897-1935)”, relata o espírito de Aventura.Em seu livro comenta-se que o cineasta teve uma experiência mal sucedida no seminário em Sernache. Mandado pelo pai, Silvino foi para a cidade do Porto,onde trabalhou no comércio do tio, um rico comerciante de sedas. A experiência também não obteve bons resultados. Quando estava no Liceu, Silvino Santos leu uma matéria que chamou muito a sua atenção.Na revista “Selecta Portuguesa” tinha uma matéria sobre o Rio Amazonas. Após ler o texto ele convenceu o tio e o pai, vindo então para o Brasil em Novembro de 1899 com uma família amiga.

As múltiplas habilidades do cineasta da selva

Chegando no Brasil, Silvino Santos instalou-se em Belém (Pará). Trabalhou por Três anos na livraria do senhor Taveira Barbosa. Após adoecer, passa quatro meses no interior, acompanhando um primo, dono de um comércio. Começa sua paixão por imagens: aprende fotografia com uma máquina 13x18. Aprimorou suas técnicas com Leonel Rocha, fotógrafo e pintor. Contratado por Leonel, Silvino viaja para Iquitos, no Peru, onde passa dois meses. Volta a Portugal, onde passou um ano fotografando familiares, amigos e a região. Retorna ao Brasil , novamente para Belém, em 1903.

Em 1910 instala-se definitivamente em Manaus. Um ano depois largou o emprego que tinha na loja do irmão Carlos e montou um estúdio, realizando trabalhos como fotógrafo e pintor.

Acervo

Ao todo foram 8 documentários de longa metragem, 5 de média e 83 curtas. Entre eles estão alguns caseiros e outros quando esteve em Portugal. Para o pesquisador e professor Narciso Lobo, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), os filmes de Silvino eram de linguagem básica e de boa qualidade técnica. “Silvino teve a oportunidade de viajar até a frança, onde foi possível o contato com os equipamentos e tecnologias mais modernos na época”, comenta. Narciso é autor do livro “No rastro de Silvino Santos”, junto a Selda Vale. Para o pesquisador, Silvino foi de grande importância para o cinema, mas faltou um senso crítico em seus filmes.”O acervo dele compõe a visão da Amazônia, com suas belezas e costumes, mas sem nenhum senso crítico sobre a mesma. ”, complementa.

Para a produção, o cineasta contou com ajuda financeira para executá-los. Em 1917, o então Governador do Amazonas, Pedro Bacellar, tinha a intenção de levar a região para o mundo. Naquele exato momento, Manaus já sofria com o declínio da borracha. Surge então a Amazônia Cine-filme, uma união de governo e alguns empresários. Silvino foi contratado e teve acesso aos melhores equipamentos. Ao todo foram 12 documentários e o primeiro grande trabalho: Amazonas, o maior rio do mundo. Sugerido por um dos acionistas, Coronel Avelino, Silvino Santos passou três anos filmando. Persuadido, o Coronel entrega os negativos do filme para o noivo da filha, professor Propércio Saraiva, levando-os para revelar em Londres. Tempos mais tarde descobriu-se que o filme foi vendido para uma empresa de turismo. A Amazônia Cine-filme entra em bancarrota e Silvino perde o emprego.

Surge então a figura do maior patrocinador da carreira do cineasta: Joaquim Gonçalves de Araújo, O J.G. Na época, J.G. era o nome mais poderoso em Manaus, visto que diversificou seus negócios além da borracha, o que garantiu sustentabilidade quando a crise chegou. Mais uma vez com acesso ao melhor, Silvino pode fazer o trabalho mais conhecido: “No paiz das Amazonas”, seguido de “No rastro do Eldorado” e “Terra encantada”. Além dos trabalhos no Brasil, foram feitos 35 documentários em Portugal.

No Paiz das Amazonas – o fenômeno

Entre 1920 e 1922, Silvino Santos filmou o Amazonas e parte de Rondônia e Roraima. A intenção de J.G. era “vender o estado” para o mundo, começando pela exposição de centenário da Independência, no Rio de Janeiro, em 1922/1923. O filme teve circulação nacional e internacional entre 1922 a 1930, percorrendo a Europa e Estados Unidos. Sempre com muita repercussão, os cinemas ficavam lotados. Existem dois fatores que podem explicar o sucesso: o primeiro por ser de longa metragem (muito raro até então!) e o outro porque teve permanência longa em exibições. Os filmes naquela época não duravam mais do que dois ou três dias. Em Manaus ocorreu uma transformação: a cidade sem vida transformou-se na Manaus com seus cinemas com todos os lugares ocupados. O sudeste brasileiro reverenciou a obra, tanto que na Semana de Arte Moderna, em 1922, o filme foi considerado um orgulho nacional.

A influência do pioneiro

Na década de 1960, alguns estudantes e intelectuais, apaixonados por cinema, criaram um grupo de estudos chamados GEC (Grupo de Estudos Cinematográficos). Muitos deles tornaram-se pessoas destacadas na sociedade Manauara. Entre eles estava o escritor Marcio Souza, autor do livro MAD MARIA (que virou minissérie da Globo). Em 1969, O GEC organizou o primeiro festival Norte de Cinema Brasileiro. Como homenagem especial foi dedicado um prêmio para Silvino Santos. O radialista, crítico de cinema e jornalista Joaquim Marinho, um dos ex-participantes do Grupo, lembra como descobriram a obra de Silvino.” Em 1968, estávamos na casa de um dos integrantes do GEC,Cosme Alves Neto, e discutíamos a respeito do festival quando o pai de Cosme, encostado na Janela, sugeriu o nome de Silvino. Saímos em busca do paradeiro de Silvino.Descobrimos que ele estava morando numa casa muito simples do J.G. Araújo. Chegando lá, Silvino estava sem camisa e recepcionou com muita boa vontade. Ele cedeu seus filmes para nossa cinemática e perguntou com o sotaque de português: O que os garotos querem saber de cinema?”, lembra Marinho.

Joaquim Marinho recorda outro momento em que Silvino Santos subiu ao palco para ser premiado: “Ele fez um discurso totalmente anti-americano.Disse que os Estados Unidos dominava o Cinema e não deixava ninguém fazer. Ele esculhambou pra valer!” – Brinca o jornalista.

Daí em diante sucederam-se algumas obras sobre Silvino Santos: Marcio Souza escreveu um livro,Roberto Kahané; outro ex-integrante do GEC, fez um filme: Silvino – o fim de um pioneiro. Joaquim Marinho criou e participou de algumas obras de seus amigos: foi locutor do filme de Kahané e idealizador de um selo comemorativo a Silvino no final dos anos 80 .Além desses também seria mais uma vez locutor de um filme de J.Borges (Cineasta Paulista que morava em Manaus) ainda inédito.”Eu me comprometi a fazer o filme e nunca consegui realizar. O filme está até hoje mudo”, confessa. Em 1997, Aurelio Michiles produziu o filme Silvino Santos – O cineasta da Selva, com a participação de José de Abreu.Também participam Joaquim Marinho, Marcio Souza e Domingos Demasi, outro nome do GEC.

O fim de uma era

Silvino morreu pobre em 1970.Com exceção do GEC, apenas Aurelio Michiles lembrou dele no cinema. Para o professor Narciso Lobo o tempo foi o fator determinante: “ Silvino Santos sofreu um isolamento do tempo. Isso é uma característica do Cinema na região. Vem alguém, produz alguma coisa e cessa. Muito tempo depois vem outro e começa todo o processo do zero novamente”- Afirma Lobo. Para Joaquim marinho o cineasta sofreu o esquecimento recorrente com a maioria dos artistas no Brasil. “Tem gente que não sabe quem é Jorge Amado ou Gabriel Garcia Marquez. O Marcio Souza é um cara super intelectualizado, já fez uns trinta ou quarenta livros e só foi conhecido por causa da Rede Globo”, afirma categoricamente.

Seja pelo fator tempo ou simples descaso cultural a verdade é uma só: Silvino Santos é mais um integrante do hall dos injustiçados. Sua obra ainda é tão misteriosa quanto os segredos da região que tanto amou e registrou em sua câmera.

Saiba mais sobre Silvino Santos:

· O Eldorado das Ilusões. Cinema & Sociedade: Manaus (1897-1935) – Selda Vale da Costa. Manaus.Editora da Universidade do Amazonas,1996.

· No rastro de Silvino Santos: Selda vale da Costa e Narciso Lobo. Manaus: Superintendência Cultural do Amazonas.1987.

· A Tônica da Descontinuidade,(Cinema e política em Manaus na década de 60) – Narciso Julio Freire lobo.Manaus:UA,1994.

· Silvino Santos – O Cineasta da Selva, De Aurelio Michiles.Com José de Abreu. Vencedor do prêmio de melhor longa estreante no festival de Brasília, em 1997.



5 comentários:

Taynée Mendes disse...

Realmente, Sivino "entrou para o hall dos injustiçados" desse Brasil carente de heróis, sobretudo na área cultural, tão pouco incentivada....acho tb que o papel do jornalista especializado em cultura é justamente resgatar o que o tempo e a sociedade esqueceram....

Excelente matéria, parabéns!

Anônimo disse...

Nao vou fazer nenhum comentario mas gostava de saber se ha descendentes de Silvino Santos pois ainda sou descendente dele.A minha avó paterna era irma dele.
Estou a compilar elementos da sua passagem por Cernache do Bonjardim e ja tenho a descendencia desde o pai até aos dias de hoje. So me falta a descendencia do Brazil se é que ha.
Agradecia esta informação

Anônimo disse...

Na qualidade de neta de Silvino Santos, quero deixar aqui minha gratidão a tantos comentários a respeito de meu avô. Realmente ele foi mais um "heroi" relegado ao esquecimento. Sei que sou suspeita para dizer isto. Fico feliz com o trabalho de Selda a quem tive o prazer de conhecer pessoalmente. Desejo-lhe todo sucesso Selda. Quanto ao parente de meu avõ que procura outros descendentes gostaria de poder fazer contato. Sou filha de Guilherme (filho de Silvino) e me chamo Evanize Santos Kaneko. Atualmente moro em Curitiba. Meu email é evanize@brturbo.com.br Aguardo contatos

Anônimo disse...

Gostaria de um contato com a neta de Silvino Santos
Passei email

grata
Suely Sanz

Anônimo disse...

GOSTAVA DE ENTRAR EM CONTACTO COM A NETA DE SILVINO SANTOS,POIS AINDA SOU PARENTE.
MINHA AVO PATERNA ERA IRMA DE SILVINO SANTOS. POR MAIL
joao.santos.serra@sapo.pt

tel de Lisboa 924161607

João Santos Serra