quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

A arte invade a rede

A web transforma-se em palco para novas experimentações artísticas

Taynée Mendes

Você já visitou uma galeria virtual? Caso espere encontrar fotografias de obras artísticas, assim como a foto da famosa Mona Lisa disponibilizada no site do Museu do Louvre, sairá decepcionado. Diferentemente do que muitos acreditam, o termo “galerias virtuais” abrange obras que levam em consideração a linguagem da internet na composição artística: a chamada web-arte.

Proporcionando um novo espaço sensorial e dinâmico, a web-arte utiliza a rede como forma de expressão, explorando sua linguagem e todas as suas vantagens. Aliás, vários conceitos pairam sob a web-arte, também denominada arte online ou net arte. Pode-se dizer que a diferença está nos protocolos utilizados; a net-arte engloba usos artísticos de todos os protocolos da internet (http, ftp, e-mail, MUDs, espaço virtual em 3D), a web-art refere-se a abrangência da rede WWW (World Wide Web), a parte da internet que conheceu mais forte progressão nos últimos anos.

Andreas Brogger, editor de arte da revista dinamarquesa Hvedekorn, defende que net-arte é um tipo de arte que “não pode ser experimentada em outro meio que não seja a própria rede”, ou seja, estar conectado é um critério definitivo, pois o projeto artístico “deve se transformar em função de sua presença na internet”. Embora haja diversas teorias e discussões sobre uma denominação exata desse tipo de arte, tentar definir o que é um site de web-arte vai muito além desses conceitos.

Grosso modo, o que diferencia um site de web-arte dos demais é a sua proposta. Imagine que site comum ofereça uma gama de serviços comerciais, por exemplo. Um site de web-arte disponibilizará um canal de experiências visuais, sonoras, temporais, priorizando a interação com o visitante. Uma obra de arte para a web visa a estabelecer relações com a sensibilidade do internauta, tornando a navegação – geralmente um ato banal ­– uma experiência única.

Obras de web-arte buscam resultados subjetivos, os quais são produzidos a partir do repertório visual do receptor. Assim, a leitura de típicos trabalhos de web-arte que aproveitam elementos do universo computacional (barras de navegação, botões padrão, mensagens de alerta) passa a depender do conhecimento dessas informações por parte do visitante.

O web-artista Lucas Bambozzi colecionou o lixo eletrônico que recebeu sob formas de SPAMs – mensagens não solicitadas – e, com isso, discute questões relacionadas aos espaços público e privado na rede. Quem não souber o que é SPAM, provavelmente não terá uma boa apreciação da obra. Este trabalho foi participante do núcleo Net Arte Brasil, na XXVª Bienal de São Paulo e pode ser visto em www.comum.com/diphusa/meta.

A arte que não é arte

O termo “arte” é muito difundido na rede, e isso, com freqüência, gera apropriações erradas. Confunde-se esse tipo de expressão artística com a versão aplicada da arte na web: o webdesign. Enquanto designers se esforçam por criar um aspecto cada vez mais autoral na confecção de sites com intuito comercial, os artistas da rede, por sua vez, buscam nas soluções do design elementos adequados para viabilizar seus trabalhos artísticos.

Para muitos, entretanto, não há fronteiras sólidas entre webdesign e web-arte. A partir do impressionante domínio de sofisticadas técnicas de criação e animação, muitos sites acabam recebendo o equivocado status de arte. Em contrapartida, vários artistas da rede também realizam trabalhos de webdesign. No Brasil, o artista multimídia Rui Amaral pode ser considerado um exemplo desse caso: em sua página pessoal possui tanto trabalhos de web-arte – destituídos de qualquer propósito, a não ser o artístico – quanto criações de sites que realiza com fins comerciais.

–Trabalhar com webdesign pressupõe uma funcionalidade comercial, geralmente limitada a uma empresa ou instituição. Em web-arte, embora os recursos técnicos utilizados sejam os mesmos, a liberdade de criação é muito maior, porque envolve pensamento como toda obra de arte – esclarece Rui Amaral, um dos precursores da web-arte no Brasil.

Sonho antigo

A idéia de uma sinergia entre arte e comunicação é sonho antigo dos artistas. É inclusive anterior ao advento da internet. Num momento em que se começou a valorizar a comunicação, a arte postal (ou mail art) tornou-se o primeiro movimento da história da arte a ser verdadeiramente transnacional. Estabelecida em 1963, por Ray Johnson, a arte postal reuniu artistas de diferentes nacionalidades e posições ideológicas a fim de experimentar novas possibilidades tecnológicas, intercambiando “trabalhos” numa rede livre e paralela ao mercado “oficial” da arte. Por isso ela é certamente uma das primeiras manifestações artísticas a tratar a comunicação “em rede” como objeto.

Com o desenvolvimento das recentes interfaces eletroeletrônico-informáticas nos anos 1970, a vontade dos artistas de utilizar meios e procedimentos instantâneos de comunicação em seus trabalhos também floresceu. Nesse período, vários artistas perceberam que a idéia de ubiqüidade da arte estava calcada na relação entre a arte e as telecomunicações, com a criação de projetos de ordem global. Experiências nesse campo se proliferaram, utilizando satélites, SSTV, redes de computadores pessoais, telefone, fax e outras formas de distribuição por meio das telecomunicações e da eletrônica.

A década de 1980 foi o período em que a net arte começou a tomar corpo. Ainda nesse ano, Roy Ascott deu início ao primeiro projeto de arte internacional de computer conferencing (sistema de comunicação via rede de computador que permite ler e responder mensagens dos participantes em fórum eletrônico público), entre o Reino Unido e os Estados Unidos, intitulado Terminal Consciousness. Para realizar tal empreitada, contou com o uso da rede Planet, da sociedade Infomedia. Por isso, além de teórico e artista, Roy Ascott é considerado um dos pais da arte telemática, expressão que une telecomunicações e informática.

O diferencial da arte na rede

Grande parte dos eventos em arte e telecomunicações utilizando o computador ou outros meios anteriores à internet acontecia a partir de redes efêmeras. Os artistas se reuniam em um local estabelecido, com os meios disponibilizados exclusivamente para fins específicos de determinada obra. Uma vez transcorrido o evento, a “rede” e o “grupo de participantes” deixavam de existir. O mesmo não ocorre com a internet. A partir deste advento, surge a possibilidade de se ter “espaços de interação permanentes”, para usar as palavras de Gilbertto Prado. Além de seu caráter inerentemente interativo, a internet ainda torna disponíveis os sites para o acesso de um público muito mais amplo do que o restrito universo artístico.

Falar em obras para a rede significa que o artista se utilizará dela como suporte, incorporando vários fatores inerentes ao meio na construção de sua poética. Características como hipertextualidade, instantaneidade e interatividade são somadas às obras num campo imaterial, e passam a ter alcance mundial e reprodutibilidade infinita. Qualquer criação, artística ou não, estará sujeita a estes elementos, inerentes à internet. A web-arte, em particular, poderá utilizar esses elementos de forma a centrar sua produção artística.

Entendendo a rede

Não se pode falar em web-arte, sem entender o contexto em que ela está inserida. A esse propósito se deve a pesquisa “Redes Eletrônicas, Arte e Tecnologia: novos modelos teóricos”, sob coordenação da pesquisadora Ivana Bentes, atual diretora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora doutora em Comunicação, Ivana Bentes, apesar de ter iniciado sua pesquisa em setembro de 2000, considera o assunto bastante atual: “Vivemos em um tempo, em que a comunicação se expande em todo mundo; câmeras digitais são barateadas, telefones celulares são popularizados, a internet passa ser uma das principais fontes de informação e entretenimento da população. Dessa forma, todo o aparato tecnológico, que utilizamos costumeiramente para se comunicar, gera propostas novas no campo artístico”.

Como surgiu o interesse em pesquisar web-arte?

O projeto surgiu de uma monografia de final de curso, dentro da minha pesquisa ampla que estuda a mídia-arte, a qual tenta entender a questão das tecnologias de comunicação no campo específico da arte. A proposta inicial é que os meios de comunicação sejam o material do artista. Não é a pintura, a escultura, nem os meios tradicionais, mas a própria tecnologia serve de inspiração para produção de “obras tecnológicas”. Na realidade, os “meios” de comunicação deixam de ser “meios” e se tornam a própria forma de expressão. O meio vira a obra. No caso da web-arte o meio em questão é a rede WWW. Eu, que sempre trabalhei com estética no audiovisual, tive a curiosidade em pesquisar essas novas formas estéticas nesse outro espaço, o da internet.

Quem produz a web-arte?

Na web-arte, questiona-se o conceito de autoria. Como as pessoas que produzem para a internet se definem? Elas são designers, ativistas políticos, programadores, performers. Essas novas formas de expressão colocam em cheque a idéia de obra de arte tradicional. Por isso, questionamentos como “onde está a arte” ou “quem a produz” são difíceis de responder.

Como a web-arte está sendo encarada no circuito de arte contemporânea?

A web-arte ainda vive uma crise de legitimação, por ser uma arte emergente. São poucas as obras de web-arte em grandes exposições de arte contemporânea. No Brasil, a web-arte se insere no contexto em que arte e tecnologia se conjugam. Em São Paulo, o Itaú Cultural representa bem essa vertente, já no Rio de Janeiro temos o Festival Internacional de Linguagem Eletrônica (FILE) e o Centro Cultural OI Futuro. Esses centros culturais ainda estão se preparando para exibir a web-arte, para entendê-la. O campo da web-arte está em constante mutação – já temos algumas obras feitas e pensadas para a plataforma 3D do Second Life –, por isso restam algumas questões. É arte? Não é arte? Vai acabar em um museu ou não vai? A web-arte é uma obra híbrida nesse sentido.

Referências:

PRADO, Gilbertto. “Arte Telemática: dois intercâmbios pontuais aos ambientes virtuais multiusuário”, Itaú Cultural, 2003

http://www.pacc.ufrj.br

http://www.fabiofon.com/webartenobrasil

http://www.comum.com/diphusa/meta

http://www.artbr.com.br/

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